quarta-feira, 26 de março de 2014

O Maluco de Curso

Uma vez eu li em algum lugar sobre um tal maluco de palestra. Figura típica, que eu já havia topado inúmeras vezes e chamava de todos os xingamentos possíveis. Chato, mala, FILHO DA PUTA! EU QUERO IR EMBORA! Mas nenhum desses foram melhores do que o “Maluco de Palestra”.

Porque o Maluco de Palestra é mesmo maluco. Alguma coisa não vai bem ali.... ninguém pode ser tão mimado e carente para querer mostrar tanto sua razão sobre tudo!

Mas no lado oposto tem o “Maluco de curso”. Ele é um Maluco de Palestra, mas ele se especializou: ele frequenta cursos: a garantia de muitas palestras por um determinado tempo. A validade dos cursos é maior, se estende e o que seria uma única palestra são dezenas com dia, hora e local programado.

Além disso, o Maluco de Curso sofre de algumas patologias antônimas às do Maluco de Palestra. Porque no lugar do exibicionismo pseudointelectual barato, esbanja ânsia de aprovação pela busca do saber. Seja seguindo a escola Bom Mocismo de ser, ou a “Antahumildista”, o Maluco de Curso quer aprender. E aprende ao ponto de achar que tem que reaprender, repreender.


E eles estão por aí, espalhados pelo mundo, se encontrando nas conferências de cursos pagos ou gratuitos, desde que tenha o espaço “aberto para perguntas”. Cuidado com eles, são Malucos de Curso.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Caso Santiago e a exploração desavergonhada da vida e da morte


É sintomático que as grandes empresas de jornalismo se reúnam num roupante corporativista após a morte do cinegrafista Santiago. E mais que sintomático, esperado, que essa defesa corporativista seja escondida por trás de uma suposta defesa da liberdade de informação, de expressão, de defesa da democracia.

Não se trata de refutar a tragédia que é a morte de um trabalhador como foi o caso. Isso é lamentável, uma tragédia e os responsáveis devem receber o devido julgamento. Na justiça.

Mas não é possível negar que há um corporativismo quando a resposta à morte de um cinegrafista de um grande conglomerado de mídia é desproporcional ao tratamento dispensado a outros casos semelhantes. Afinal, não é o primeiro caso de um morto em uma manifestação. Muito menos o primeiro caso de jornalista impedido de exercer sua profissão, se é que podemos chamar o caso de “perseguição” ou “cerceamento” do exercício da profissão.

É difícil imaginar um caso “doloso”, como a Polícia Civil insiste em classificar o caso (com a chancela pouco ou nada crítica dos veículos de comunicação – corporativismo?) apesar do caráter claramente acidental do caso. Um dos rapazes que aparece nas imagens se propôs a colaborar com toda a investigação e ganhou, no máximo, a exacração pública em rede nacional em alguns jornais muito comprometidos com a liberdade mas muito pouco com a tal da “informação”.

E se ainda fosse um claro caso de cerceamento da liberdade de informação, me espanta que episódios como a discriminação de veículos de mídia por parte do serviço de comunicação da Polícia Militar, sonegando informação a alguns em detrimento de outros, não seja denunciado. Ou o favorecimento de grandes conglomerados por um órgão público com o claro objetivo de controlar e cercear a informação é um escândalo menor de ataque à liberdade de informação?

É no mínimo irônico que as mesmas empresas que expõem seus cinegrafistas a jornadas extenuantes de trabalho, regimes de contratação questionáveis e péssimas condições de trabalho tentem, diante da morte, tratar como heróis uma categoria que diante da vida é tratada com pouco ou nenhum reconhecimento. Falta, por parte das outras empresas que dizem estar fazendo jornalismo e defendendo a democracia (rechaçando a acusação de corporativismo) questionarem, por exemplo, por que santiago não usava equipamentos de proteção? Por que um cinegrafista tão experiente se exporia, daquela forma, tão distraidamente, no meio de um conflito manifestantesXPoliciais que vem se intensificando há pelo menos oito meses? Que tipo de atenção e investimento tem sido (e foi ) dispensado por essas empresas nos últimos anos na proteção efetiva de seus profissionais? Essas são apenas três questões que deveriam ser abordadas numa cobertura jornalística (e não corporativista) de um caso como esse.

Mas em um jornalismo burro, passional e muito pouco profissional, o apelo às emoções e o apontamento (conveniente, eu diria) de um inimigo público é mais interessante do que abordar e enxergar os próprios defeitos. Diante da morte de um colega e a exploração desavergonhada de sua família para fins corporativistas disfarçados mais uma vez de defesa da democracia, só me resta vergonha e revolta.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Sobre festa em família: uma crônica natalina

O Natal é uma merda. Nunca é legal. Não tem barraco, não tem festa, não tem bebedeira. Basta acompanhar a programação da TV, com especiais empolados, gente de terno branco indo ver os reis e rainhas da MPB cantando seus arranjos que de tão rearranjados ficam vergonhosamente piegas.
E na mesa? A ceia é regida pelas morais cristãs em que qualquer tipo de grosseria é segurada como um peido tão intenso que chega a dor de barriga. E a dor de barriga faz todo mundo ali, sorrindo, ficar enfezado - Se segura, Jorge! É natal!. Cotoveladas aqui e ali e assim todo mundo segue sorrindo. Natal é um porre.
Só que não tem porre. Porque ninguém enche a cara, ninguém dá barraco. Quando dá meia noite e todo mundo finalmente come (essa é a melhor parte e que vale uma ressalva sobre como o natal é uma merda), nesse momento único, todos ocupados comendo, a fofoca vai acontecendo quase como um poema parnasiano. Ninguém entende o que a esclerosada da matriarca está falando na oração, mas a tia Clotilde já sacou que aquele trecho dos vícios era uma indireta pro marido da Gertrudes que lhe enfiou a mão quando descobriu que o Jorginho estava se travestindo com o apoio da melhor amiga dela, a Rose.
O problema é que a maldita da Clotilde decide, no final da oração, enquanto cada um come num canto, comentar com a cunhada, irmã do marido da Gertrudes, aquele trecho que era uma benção. E como aquilo tocava em questões delicadas da família. Mal sabia ela que a Silvinha tinha acabado de se assumir maconheira e, colocada de champanhe, achou que a vadia da Clotilde estava cuidando da vida dela. O clima esquenta e a Silvinha decide comentar outro trecho, o do pai nosso sobre o "pão nosso de cada dia". Era uma indireta com a coitada da Clotilde que era gorda (e complexada).
A tia Gertrudes, meio manca ainda, decide apagar o início de incêndio. Desfaz a mesa. A festa acabou. Quem mora nos arredores se retira. Beijos. Saudades. Precisamos nos ver mais (NÃO! CLARO QUE NÃO!).
O natal foi uma merda.
Já o Ano Novo é sempre melhor. Aquilo sim é festa! Sem a moral cristã, sempre tem um barraco, alguém que se revela. A Gertrudes? Vai levar uns tabefes do Jorge porque, de cara cheia, ele vai achar que ela estava se engraçando com o marido da Cida, dez anos mais novo que a velha safada.
Enquanto o barraco acontece o Jorginho é flagrado pela avó carola chupando o primo na suíte do quarto de hóspedes. A velha acaba tendo um treco. Passa mal. Mas ao ser abordada pelas noras e filhas, decide poupar o neto depois de ficar sabendo da bordoada que a Gertrudes levou do filho. Aquela vaca. Não faz nada direito, não cria os filhos direito (olha o Jorginho, desandando na vida!), tem mais é que apanhar.
A velha então vai e xinga a mal acabada da nora. Cada um vai pra um canto. A Cida decide consolar a coitada, sem imaginar que o filho estava sendo bulinado pelo filho da puta do filho da Gertrudes.
Mas sem a moral cristã, ninguém para de beber. A Silvinha, que acabou de puxar um beque do tamanho de um charuto enquanto ia buscar cigarros lá na esquina, acha graça. Não consegue parar de rir - Tá besta, menina?! - E todo mundo enche a cara. E a festa continua.
Na TV, ao invés do especial rei/rainha, passa o show da virada, cheio de pobre vendo o melhor de Luan Santana, Ivete Sangalo, Anitta, e tudo que a cultura popular consegue construir em um ano intenso como foi esse. E como tudo que é popular, a letra e o arranjo daquelas melodias tocam a família ao ponto de Silvinha dançar com Jorginho os melhores passinhos de Anitta e ensiná-los para a avó, que bêbada de Sidra Cereser decide aceitar o neto Jorginho. Faz um discurso comovente. Todo mundo finge que não entende e faz de conta que é um discurso superficial sobre o amor em família. Todos se abraçam. Só falta a Gertrudes e o Jorge, que estão trepando no quarto de empregada.
Ano novo, sim, que é festa em família.