O Natal é uma merda. Nunca é legal. Não tem barraco, não tem festa, não tem bebedeira. Basta acompanhar a programação da TV, com especiais empolados, gente de terno branco indo ver os reis e rainhas da MPB cantando seus arranjos que de tão rearranjados ficam vergonhosamente piegas.
E na mesa? A ceia é regida pelas morais cristãs em que qualquer tipo de grosseria é segurada como um peido tão intenso que chega a dor de barriga. E a dor de barriga faz todo mundo ali, sorrindo, ficar enfezado - Se segura, Jorge! É natal!. Cotoveladas aqui e ali e assim todo mundo segue sorrindo. Natal é um porre.
Só que não tem porre. Porque ninguém enche a cara, ninguém dá barraco. Quando dá meia noite e todo mundo finalmente come (essa é a melhor parte e que vale uma ressalva sobre como o natal é uma merda), nesse momento único, todos ocupados comendo, a fofoca vai acontecendo quase como um poema parnasiano. Ninguém entende o que a esclerosada da matriarca está falando na oração, mas a tia Clotilde já sacou que aquele trecho dos vícios era uma indireta pro marido da Gertrudes que lhe enfiou a mão quando descobriu que o Jorginho estava se travestindo com o apoio da melhor amiga dela, a Rose.
O problema é que a maldita da Clotilde decide, no final da oração, enquanto cada um come num canto, comentar com a cunhada, irmã do marido da Gertrudes, aquele trecho que era uma benção. E como aquilo tocava em questões delicadas da família. Mal sabia ela que a Silvinha tinha acabado de se assumir maconheira e, colocada de champanhe, achou que a vadia da Clotilde estava cuidando da vida dela. O clima esquenta e a Silvinha decide comentar outro trecho, o do pai nosso sobre o "pão nosso de cada dia". Era uma indireta com a coitada da Clotilde que era gorda (e complexada).
A tia Gertrudes, meio manca ainda, decide apagar o início de incêndio. Desfaz a mesa. A festa acabou. Quem mora nos arredores se retira. Beijos. Saudades. Precisamos nos ver mais (NÃO! CLARO QUE NÃO!).
O natal foi uma merda.
Já o Ano Novo é sempre melhor. Aquilo sim é festa! Sem a moral cristã, sempre tem um barraco, alguém que se revela. A Gertrudes? Vai levar uns tabefes do Jorge porque, de cara cheia, ele vai achar que ela estava se engraçando com o marido da Cida, dez anos mais novo que a velha safada.
Enquanto o barraco acontece o Jorginho é flagrado pela avó carola chupando o primo na suíte do quarto de hóspedes. A velha acaba tendo um treco. Passa mal. Mas ao ser abordada pelas noras e filhas, decide poupar o neto depois de ficar sabendo da bordoada que a Gertrudes levou do filho. Aquela vaca. Não faz nada direito, não cria os filhos direito (olha o Jorginho, desandando na vida!), tem mais é que apanhar.
A velha então vai e xinga a mal acabada da nora. Cada um vai pra um canto. A Cida decide consolar a coitada, sem imaginar que o filho estava sendo bulinado pelo filho da puta do filho da Gertrudes.
Mas sem a moral cristã, ninguém para de beber. A Silvinha, que acabou de puxar um beque do tamanho de um charuto enquanto ia buscar cigarros lá na esquina, acha graça. Não consegue parar de rir - Tá besta, menina?! - E todo mundo enche a cara. E a festa continua.
Na TV, ao invés do especial rei/rainha, passa o show da virada, cheio de pobre vendo o melhor de Luan Santana, Ivete Sangalo, Anitta, e tudo que a cultura popular consegue construir em um ano intenso como foi esse. E como tudo que é popular, a letra e o arranjo daquelas melodias tocam a família ao ponto de Silvinha dançar com Jorginho os melhores passinhos de Anitta e ensiná-los para a avó, que bêbada de Sidra Cereser decide aceitar o neto Jorginho. Faz um discurso comovente. Todo mundo finge que não entende e faz de conta que é um discurso superficial sobre o amor em família. Todos se abraçam. Só falta a Gertrudes e o Jorge, que estão trepando no quarto de empregada.
Ano novo, sim, que é festa em família.
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"Posso não concordar com uma palavra sua, mas lutarei até à morte para que tenha o direito de dizê-las" - Voltaire.