terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Caso Santiago e a exploração desavergonhada da vida e da morte


É sintomático que as grandes empresas de jornalismo se reúnam num roupante corporativista após a morte do cinegrafista Santiago. E mais que sintomático, esperado, que essa defesa corporativista seja escondida por trás de uma suposta defesa da liberdade de informação, de expressão, de defesa da democracia.

Não se trata de refutar a tragédia que é a morte de um trabalhador como foi o caso. Isso é lamentável, uma tragédia e os responsáveis devem receber o devido julgamento. Na justiça.

Mas não é possível negar que há um corporativismo quando a resposta à morte de um cinegrafista de um grande conglomerado de mídia é desproporcional ao tratamento dispensado a outros casos semelhantes. Afinal, não é o primeiro caso de um morto em uma manifestação. Muito menos o primeiro caso de jornalista impedido de exercer sua profissão, se é que podemos chamar o caso de “perseguição” ou “cerceamento” do exercício da profissão.

É difícil imaginar um caso “doloso”, como a Polícia Civil insiste em classificar o caso (com a chancela pouco ou nada crítica dos veículos de comunicação – corporativismo?) apesar do caráter claramente acidental do caso. Um dos rapazes que aparece nas imagens se propôs a colaborar com toda a investigação e ganhou, no máximo, a exacração pública em rede nacional em alguns jornais muito comprometidos com a liberdade mas muito pouco com a tal da “informação”.

E se ainda fosse um claro caso de cerceamento da liberdade de informação, me espanta que episódios como a discriminação de veículos de mídia por parte do serviço de comunicação da Polícia Militar, sonegando informação a alguns em detrimento de outros, não seja denunciado. Ou o favorecimento de grandes conglomerados por um órgão público com o claro objetivo de controlar e cercear a informação é um escândalo menor de ataque à liberdade de informação?

É no mínimo irônico que as mesmas empresas que expõem seus cinegrafistas a jornadas extenuantes de trabalho, regimes de contratação questionáveis e péssimas condições de trabalho tentem, diante da morte, tratar como heróis uma categoria que diante da vida é tratada com pouco ou nenhum reconhecimento. Falta, por parte das outras empresas que dizem estar fazendo jornalismo e defendendo a democracia (rechaçando a acusação de corporativismo) questionarem, por exemplo, por que santiago não usava equipamentos de proteção? Por que um cinegrafista tão experiente se exporia, daquela forma, tão distraidamente, no meio de um conflito manifestantesXPoliciais que vem se intensificando há pelo menos oito meses? Que tipo de atenção e investimento tem sido (e foi ) dispensado por essas empresas nos últimos anos na proteção efetiva de seus profissionais? Essas são apenas três questões que deveriam ser abordadas numa cobertura jornalística (e não corporativista) de um caso como esse.

Mas em um jornalismo burro, passional e muito pouco profissional, o apelo às emoções e o apontamento (conveniente, eu diria) de um inimigo público é mais interessante do que abordar e enxergar os próprios defeitos. Diante da morte de um colega e a exploração desavergonhada de sua família para fins corporativistas disfarçados mais uma vez de defesa da democracia, só me resta vergonha e revolta.

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"Posso não concordar com uma palavra sua, mas lutarei até à morte para que tenha o direito de dizê-las" - Voltaire.